Mesmo sem nos darmos conta, interagimos diariamente com softwares livres. Você tem um computador? Talvez já tenha utilizado o VLC ou o Popcorn Time – ambos livres – para ver filmes. Tem um smartphone? A base do sistema operacional Android é livre. Tem conta no Google, Facebook ou Twitter? Todos eles utilizam softwares livres em seus servidores. E a lista vai longe...
O software livre está por todas as partes e há algum tempo deixou de ser apenas uma bandeira de luta levantada por ativistas pró-liberdade: atualmente é também uma realidade bem estabelecida no mercado de trabalho. Por sua relevância social, política e econômica, é presença constante no mundo acadêmico, seja como objeto de teses e dissertações, seja como tópico de cursos regulares.
O Instituto de Matemática e Estatística da USP conta com um centro de pesquisas dedicado, o Centro de Competência em Software Livre, e, além disso, oferece três disciplinas optativas relacionadas ao assunto.
Uma delas, Desenvolvimento de Software Livre, procura fornecer uma base para que o aluno aprenda a colaborar com projetos internacionais de desenvolvimento de software. Embora o curso tenha algumas aulas teóricas, o foco é a parte prática, na qual os estudantes fazem contribuições reais aos projetos.
O professor Fábio Kon, que ministrou a disciplina por muitos anos, enfatiza a preparação ao ingresso no mercado de trabalho: “aqui os alunos têm a oportunidade de trabalhar com programas de milhões de linhas, que é justamente com o que eles vão se deparar ao sair da universidade”. Um desses programas citados por Kon é o navegador Firefox, que teve diversos bugs corrigidos por uma das turmas do curso.
Colaborar com grandes projetos pode ser uma tarefa empolgante à primeira vista, mas muitas dificuldades podem surgir durante o percurso. Igor Steinmacher, ex-aluno da disciplina, transformou sua experiência em tese de doutorado: intitulada Supporting Newcomers to Overcome the Barriers to Contribute to Open Source Software Projects, sua pesquisa busca identificar e compreender as barreiras que os novatos enfrentam, e apresentar estratégias que possam amenizá-las.
O Laboratório de Programação Extrema é outra matéria que coloca os alunos com a mão na massa. Ministrado pelo professor Alfredo Goldman, o Lab XP, como é mais conhecido, introduz um método ágil de desenvolvimento de softwares que busca melhorar a qualidade do produto de acordo com as exigências do cliente.
Todos os programas criados na disciplina são livres e feitos sob demanda para clientes reais. Um dos softwares que está sendo desenvolvido esse ano é o “OCR de doação”, que pretende facilitar o processo de doação extraindo automaticamente os dados de uma nota fiscal digitalizada. Outro projeto interessante em andamento é o BiciGuia, um aplicativo similar ao Waze voltado para ciclistas.
Exatas?
Engana-se quem pensa que no IME só os números e as linguagens de programação têm vez. A pedido dos alunos da turma de 2009 do curso de Ciência da Computação, foi criada a disciplina Direito e Software Livre, que trata de aspectos técnicos (leis, licenças, tratados internacionais, etc.) a partir de temas atuais, como as implicações legais do compartilhamento de arquivos na rede e a aprovação do Marco Civil da Internet.
Segundo o professor Eduardo Ariente, o objetivo é ampliar o horizonte de conhecimento dos alunos trazendo noções de outras áreas que não costumam ser abordadas em cursos de exatas. “Ainda há resistência de temas tipicamente de humanas, mas me parece problemático que um estudante saia da universidade sem ter uma ideia global que envolva direito, política e economia quando o assunto é computação e, especialmente, software livre”, afirma.
Ariente também sublinha a importância do ensino e divulgação do software livre no meio acadêmico dados seus benefícios notáveis para a sociedade: “é um elemento chave para o desenvolvimento do país, já que pode garantir autonomia tecnológica, não demanda equipamentos caros e possibilita a quebra de monopólios estrangeiros”.